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Tradução: Note | Revisão: Bibi
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Capítulo Oito
O dia seguinte começou mal. Minha respiração saía em impulsos rápidos e meu sangue pulsava anormalmente rápido pelo meu corpo. A adrenalina extra fez sua função, me preparando para o que meu corpo via como perigo, que começou assim que eu pensei sobre me aventurar no ar livre e dentro da floresta para a viagem do acampamento de isolamento. Antes de pegar meus remédios para ansiedade, tomei um, tomando vorazmente uma garrafa de água que tinha certeza que pertencia à Abby. Até colocar roupa deu trabalho – com os movimentos bruscos e trêmulos dos meus dedos, bem, os cadarços não tiveram chance. Lauren estava para baixo também. Nós duas estávamos dolorosamente cientes de que teríamos que passar as próximas vinte e quatro horas presas nas garras da morte que era essa punição.
Enquanto estava do lado de fora esperando pela Vivian, com minhas necessidades básicas penduradas no ombro, a porta da cabana ao lado da nossa abriu e uma pequena figura saiu. Cabelos pretos, selvagens e apontando para todas as diferentes direções e um par de olhos sonolentos e entediados vieram bem na minha direção.
“Escuta aqui, idiota.” Gwen disse, esfregando os olhos com um punho cerrado. “Não seja estúpida de brigar com ela.”
“Sou uma pacifista, não lutadora.”
“Você jogou uma bandeja na cabeça dela, Em.” Ela colocou uma mão ao redor da maçaneta e disse: “Não morda a isca. Dê a si mesma uma chance de ficar no acampamento. Vou atrás de você se for expulsa.”
“Minha casa está livre o verão todo.”
“Pare de brincar, porque isso não é uma opção.” ela murmurou, batendo a porta da cabana atrás dela.
Talvez eu pudesse descobrir quem roubou meu celular, concluindo essa investigação, e fazer com que eu seja expulsa. Ou poderia superar completamente todos os meus medos por exposição constante – isso funciona para algumas alergias às vezes. Teria até mesmo tempo para refletir sobre as minhas escolhas desde que vim para o acampamento.
O ar estava gelado. O sol ainda não tinha tido uma chance de aquecer o chão. Eu teria pego um moletom, mas não queria encarar ninguém naquela manhã a não ser que fosse obrigada. Desde ontem a noite, quando a Lauren tentou falsamente se desculpar, não nos falamos mais. Sentia muito pela Abby por ter que aguentar nossas discussões e silêncios longos e estranhos. Algumas vezes ela intervinha quando brigávamos e nos dizia educadamente para não dizermos nada se não tínhamos nada de gentil para falar, ou puxava papo para aliviar a atmosfera pesada que vinha depois das nossas discussões.
“Como que esse isolamento forçado geralmente funciona?” Perguntei assim que a Lauren veio, sendo vencida pela minha curiosidade.
“Por que está perguntando para mim?”
“Você mesma disse que estava em gelo fino ano passado e ainda tem permissão para estar aqui. Talvez você esteja mais sorrateira sobre isso esse ano? Colocando o temor de Deus em suas vítimas para mantê-las quietas? Qual é o seu segredo?”
“Eu não faço bullying com ninguém.” Lauren zombou. “Que seja. A Vivian vai nos fazer conversar. Só isso.”
Os cascalhos que traçavam o caminho para a nossa cabana farfalharam. Lauren endireitou as costas e ergueu o queixo, como se estivéssemos em um acampamento militar. Isso fedia a desespero. Ajustei o boné na minha cabeça enquanto Vivian andava em nossa direção com uma mochila e uma bolsa preta grande, parecendo sem pressa nenhuma para começar nossa viagem de acampamento.
“Vocês não vão arrancar os olhos uma da outra, vão?” Ela perguntou, soando entediada.
“Não.” Lauren disse seriamente.
Já dava para ela parar com essa pose militar, não? “Me mate agora.”
“Esse é o oposto do que eu quero para essa viagem de isolamento. Uma de vocês, carregue a bolsa para mim.” Vivian disse, soltando a bolsa preta no chão antes de sair andando. Lauren pegou a bolsa do chão e, como patinhos, seguimos atrás dela. “O acampamento isolado é do outro lado da propriedade. Vai levar cerca de dez minutos para andar até lá.”
“Pelo menos alguém não me quer morta.” disse.
“Isso pode facilmente mudar.” Vivian disse sobre o ombro.
“Vai ser quente quando você arrancar o coração do meu peito?”
“Não confunda sede de sangue com—”
“Um tipo mais divertido de sede?” Interrompi a Vivian. “Que pena.”
“Andem logo.” ela disse por entre os dentes. “Vocês duas.”
Antes de irmos para a floresta, pegamos três sacos de dormir da sala de suprimentos ao lado do escritório do Sr. Black no edifício principal. Andamos no mesmo caminho da atividade dos troncos. Sentar em um barco de tronco com Vivian era uma boa memória, assim como ter sido capaz de assistir a Lauren ser arremessada como uma boneca de pano. O caminho era familiar, então não surtei tanto. Os remédios que eu havia tomado naquela manhã ajudaram. Também ajudou que o sol estava nascendo ao invés de se pondo — pelo menos durante o dia, se as folhas estalassem, você podia ver se tinha ou não alguma coisa. De noite a história era diferente, quando a perda da luz natural me mantinha em alta alerta. Ou quando animais como guaxinins ou raposas em busca de comida sob musgos se pareciam com texugos arranhando a casca das árvores.
A caminhada foi, em sua maior parte, silenciosa. Pensei que seria mais estranho do que realmente foi, mas todas nós estávamos perdidas em nossos próprios pensamentos.
Poucos minutos depois, Vivian chutou um galho e ele voou pelo ar, sendo partido em dois ao ir de encontro com uma árvore de bordo gigante, que daria uma cobertura perfeita para as nossas barracas. Seus galhos ancestrais se alongavam para longe do resto da vegetação e ela parecia fora de lugar em relação ao centro da clareira. Se aquela árvore sobreviveu por tantos anos nessa clareira, então eu podia sobreviver por mais uma noite ou duas. Lógica meio distorcida, talvez, mas era um modo de pensar que me mantinha calma.
Entramos no local de acampamento perfeito. Havia um espaço plano no terreno e abrigo vindo da abundância de folhas acima de nós. O único problema era que todo o espaço estava vazio— tão minimalista quanto poderíamos imaginar em termos de equipamentos de acampamento, com somente dois troncos que não pareciam nem um pouco confortáveis. Fiz uma performance, olhando ao redor do espaço, andando pelo círculo da área, chutando pedras e pisando nas bolotas espalhadas pelo chão. Vivian não ofereceu nenhum tipo de explicação do porquê não havia equipamentos prontos para uso. Geralmente, os conselheiros são muito bons em arrumar as coisas antecipadamente para seus campistas, como os troncos no lago, ou ter suprimentos de arte prontos nas mesas.
“Onde estão as barracas?” Perguntei.
“Acha que temos tendas pré montadas, já que a punição de isolamento é uma ocorrência tão comum?” Vivian retrucou, colocando uma mão na árvore e se inclinando contra ela. Ela gesticulou em direção aos sacos de dormir, às mochilas e à bolsa grande que tínhamos deixado no centro do lugar. “Não, não, Emma. Sua barraca está na bolsa preta. Vocês duas podem começar a montar. E me apressaria se fosse vocês. O céu está parecendo meio cinza.”
“E você? O que vai fazer?” Perguntei.
“Supervisionar.” ela respondeu casualmente.
Olhei para Lauren em busca de algum apoio, mas ela já havia pego a bolsa e tirado as partes, alinhando-as. Ajoelhando no chão, apesar de todo o meu corpo estar gritando para ignorar a ordem, me aproximei para ajudar. Meu rosto se contorceu com o som crepitante que vinha dos meus joelhos pressionando contra a superfície seca forrada de folhas. Conectar-se diretamente com a terra, especialmente debaixo de uma linha de árvores, e eu ainda estava respirando normalmente? A realidade de estar aqui fora foi uma experiência muito melhor do que quando estava no barracão imaginando todas as coisas que poderiam dar errado.
Lauren me cutucou no ombro com uma das varas e disse: “Como fazemos isso?”
“Coloque a lona no chão.” instruí e me abaixei para que, ao invés de ajoelhar, eu me sentasse diretamente no chão. “Aquele negócio de plástico.” disse, acenando com a mão em direção à peça cinza. “É para proteger a barraca da umidade do chão, para que não nos molhemos enquanto dormimos. Então coloque a barraca em cima.”
“Você não vai ajudar?”
Eu me inclinei para trás, usei minhas mãos atrás das costas para me manter ereta e olhei para cima. “Já que alguém esqueceu de trazer as instruções, serei o cérebro; você pode ser os músculos.”
Teve uma tosse pequena e proposital da direção da Vivian.
“Tudo bem.” Lauren concordou.
“Isso foi fácil demais.” Eu disse. Lauren ignorou meu comentário e, ao invés, colocou pedras nos cantos da lona para mantê-la no lugar. “Tipo, estranhamente fácil.”
“Você parece má. E eu posso ser uma pessoa decente.” ela disse.
“Nah. Você tem algum motivo distorcido oculto. Se fosse alguém como a Gwen que oferecesse para armar a barraca, eu não pensaria duas vezes no motivo. Mas você? Definitivamente tem alguma coisa rolando.”
“E agora?” Lauren perguntou.
“Conecte as varetas numeradas.” Joguei a primeira haste na direção dela.
Ela pegou no meio do ar. “Você não gostou de mim desde o primeiro dia. Admita.”
Bem… essa era uma acusação bem precisa. Enquanto ela cuidava das hastes, tirei a barraca da bolsa e coloquei sobre a lona. “Vamos mesmo tentar resolver nossos problemas?”
Lauren disse: “Você pode me responder?”
“Certo. Não gostei de você, Lauren.”
“Por que não?” ela perguntou com a sua voz tensa. Ela teve dificuldade de se recompor. Suas mãos agarraram as varetas e ela tentou uni-las, mas toda vez que tentava, ela errava. Suas habilidades motoras simplesmente não existiam. Isso se assemelhava a como eu me tornava inútil sob pressão ou estresse. Eu não gostar dela realmente a incomodou.
Peguei a haste da mão dela, conectei as duas varetas rapidamente e então coloquei-as na barraca.
“Eu guardo rancor.” admiti. “Você me deixou em cima daquela árvore. E também nunca se desculpou por isso. Você tem sido uma pedra no meu sapato desde então.”
“Meu Deus… isso foi eras atrás, Emma.”
“Parece que foi ontem. Meu corpo está revivendo a experiência de novo e de novo por estar aqui no acampamento. Mas não quero falar sobre isso.” Não com a Vivian tão perto, e era embaraçoso para mim ainda ser assombrada por isso anos depois.
“Não é esse o propósito dessa viagem?” ela perguntou.
“Tem algo mais importante para conversarmos. O jeito que você trata a Gwen.” eu respondi abertamente no final.
“Você tem um crush nela ou algo do tipo?”
“Não.” Eu ri. “Mas ela é muito minha alma gêmea. Minha parceira ideal para cometer crimes.”
“Se eu gostasse da Gwen desde o primeiro dia que me conheceu, você gostaria de mim?”
“Por que é tão importante que eu goste de você, Lauren?”
“Eu não sei.” Lauren respondeu. “Não sei o porquê.”
Lauren ficou imóvel com suas próprias palavras. Foi como se ela chegasse a uma realização repentina e catastrófica e então procedeu ao encarar suas próprias mãos. Ela estava obviamente tendo um momento, então a deixei e terminei de armar o restante da barraca.
Sem me preocupar em pedir ajuda para a Lauren, mesmo que tivesse sido infinitamente mais fácil de coordenar a flexão das varas, consegui endireitar a barraca e erguê-la. Parecia um pequeno espaço para se dormir.
“Finito.” Anunciei, abrindo bem os braços. Lauren não se moveu. “Você pode armar a próxima.”
“Só tem uma, Emma.” Vivian disse com um toque condescendente no meu ombro.
“Ah, pelo amor de Deus.” murmurei. “A barraca é minúscula. Todas nós três temos que passar a noite em um lugar tão apertado?”
Meus dedos correram através da entrada da barraca cinza até encontrarem o zíper, que puxei apressadamente para baixo.
“Não.” Vivian falou abruptamente.
“O quê?” dei um passo para dentro, me curvando para que minha cabeça não tocasse nas abas da malha.
“Você não vai cochilar o dia todo.” Dedos pegaram na barra da minha camiseta e me puxaram para fora. “Primeira regra do isolamento–”
“Sem cochilos?”
“Sem cochilos.” Vivian confirmou, deixando a Lauren entrar na barraca ao invés, sem nem mesmo se mexer para puxá-la de volta para fora. “Me ajude a coletar madeira.”
“Tratamento preferencial?”
“Ela não ficará lá por muito tempo.” Ela me jogou uma mochila. “Esperando um tratamento diferente do que sua colega campista? Comportamento inaceitável. Terão trabalhos suficientes para ela fazer hoje.” Ela estampava um sorriso maligno. “Pelo menos você escutou.”
“Você me arrastou para cá. Sem aviso. Apenas manobrou meu corpo com força.” disse.
Ela se inclinou para baixo e analisou alguns gravetos no chão. “Mas você voltou para dentro? Não. Não voltou. Você está semi-treinada. Parabéns. Você pode ser a chave para sair do isolamento.”
“Quer dizer” – Abracei os gravetos contra meu peito – “ser a pessoa madura?”
“Talvez. Quanto antes acabar, mais cedo iremos embora e dormiremos nas nossas camas. Sozinhas.”
Eu revirei os olhos. “Eu ainda teria que dividir a cabana com ela.”
“Parece que isso é problema seu.”
De acordo com a Vivian, precisávamos de gravetos pequenos porque ela não trouxe lenha para acender o fogo facilmente. O clima estava seco o suficiente para tentar fazer uma fogueira do zero. Era a atividade suprema para fazer amizades, de acordo com o pai dela. Não fomos tão longe do acampamento, mas mesmo assim ela ficou ao meu lado conforme coletávamos madeiras leves, quebráveis, mortas e caídas.
Soltei a madeira em uma pilha a um metro de distância da barraca e nossas bolsas e então Vivian organizou tudo de forma ordenada. Logo depois de nos sentarmos, ela me chamou para ajudar a organizar os gravetos. Juntamos um monte de pedras para circundar a fogueira e manter a área tão limpa quanto possível; as pedras iriam segurar o calor e bloquear o vento.
Conforme Vivian se preparava para acender o fogo, apoiei as últimas madeiras em uma pirâmide, permitindo arejar a lenha. Havia espaço suficiente ao redor da fogueira para que não precisássemos entrar no espaço uma da outra, mas isso aconteceu mesmo assim. O calor da Vivian se infiltrou no meu corpo e ela me confortou sem nem mesmo abrir a boca. Eu me derreti nela como sorvete em um pote de porcelana quente, como se pertencesse ao lado dela e ela pertencesse ao meu lado. Obviamente, então ela se inclinou para perto da fogueira, começou a soprar gentilmente onde tinha colocado o fósforo e uma mecha de cabelo dela caiu perigosamente perto do fogo.
“O que está fazendo?” ela me perguntou, me tirando de um transe em que não tinha percebido que estava, de fato, segurando a mecha de cabelo fora da direção do fogo.
“Sendo cavalheiresca e protegendo seu cabelo maravilhoso?”
“Obrigada?”
“De nada.”
“Como está se sentindo até o momento?” ela me perguntou conforme o fogo acendia com sucesso.
Ainda ajoelhada, segurei minhas mãos perto das chamas e respondi: “Até agora, tudo bem.”
“Deixe-me saber se isso mudar.”
O dia entardeceu. Claro que o local de acampamento, sendo do tamanho de duas cabanas de campistas, tinha espaço suficiente para três pessoas, certo? Errado. Depois que Vivian e eu montamos a fogueira, ela arrastou a Lauren para fora da barraca e ordenou que fizéssemos turnos para manter o fogo aceso, nos forçando a ficar próximas uma da outra. A estranheza de sentar ao lado de Lauren era pior do que quando ficávamos brigando. Pelo menos quando estávamos na mesma cabana, podíamos ir dormir. Aqui fora, ao ar livre, não tinha saída. A não ser que Vivian permitisse.
A única coisa que fez toda essa experiência suportável foi o aroma que saia do pedaço de bacon preso na extremidade de um espeto, girando lentamente sobre as brasas. O meu ficou perfeitamente crocante e comestível, mas tive que dividir ele com a Lauren, porque ela torrou o seu. Enquanto tudo isso acontecia, Vivian aproveitou sua abundância de pedaços de bacon sozinha.
Meu pânico não deu as caras, não como no dia anterior. Nuvens escuras e feias pairavam acima, esperando para liberarem o pior delas enquanto o sol desaparecia. Não havia nada de fascinante sobre o céu cinza escuro com suas poucas estrelas. Debaixo da abundância de verde, estrelas amarelas se uniram, com o fundo azul escuro iluminando-as espetacularmente.
Um estalar alto me fez pular, especialmente quando pensei que uma árvore tinha caído no chão, mas eu fui a única paranoica. O barulho do trovão fez meu pescoço torcer para olhar o galho da árvore de bordo acima da minha cabeça; os lampejos de raios que atravessavam o céu eram claros como o dia.
“Parece que há a possibilidade de morte hoje à noite.” Disse. “Olhem para essas nuvens. Elas são fofas? Nah. Elas foram criadas para sugar nossas almas.”
“É chuva.” Vivian disse com desdém, apesar de estar olhando ceticamente para o céu.
“Chuva com o objetivo de nos matar.”
Um feixe de luz branco quente se materializou pelo rosto da garota, deixando claro o quão escuro ficou nos últimos minutos. O dia todo o céu estava cinza e entediante. Sua expressão era vazia, como se a escuridão e a ausência de luz não tivessem a incomodado nem um pouco.
“Talvez as condições estejam piores do que pensei.” ela admitiu.
“Com certeza deveríamos voltar, não é?”
“Não.” Pela expressão vazia do rosto dela, sabia que não teria como argumentar. “Por mais que eu adoraria adiar compartilhar espaço com a ruína da minha existência,” ela murmurou, andando na minha direção: “não é possível.”
Uma gota de água caiu diretamente no meu olho. “Você está dividindo ele com duas pessoas. Você disse ruína. No singular.”
Por um momento ela ficou estática. “Por mais que o zumbido que é sua voz me irrite, você não tem feito isso constantemente, todos os anos.”
“Não estou no topo da sua lista de mais odiados?”
“Por que não me surpreende você soar tão orgulhosa disso?” ela disse.
“Porque você gosta de mim.”
“Gosto do fato de que você está me ajudando a arrumar nossos sacos de dormir.” Vivian lentamente arregalou os olhos. “Ah, espera. Olha só isso? Você não está.”
“Certo… ajudar.”
Enquanto arrumamos as bolsas propriamente, Lauren ficou sentada do lado de fora, encarando as nuvens e prestes a aceitar a chuva. Não havia espaço suficiente para ela ajudar e ela sabia disso. Invejei a habilidade dela de conseguir o que queria sem esforço algum.
A carranca de Vivian, enquanto ela fazia sinal para que entrássemos na barraca para enfrentar a tempestade, deixou bem claro que ela desprezava sua vida naquele momento. Uma sensação de auto-aversão invadiu meu cérebro enquanto todas nós tentávamos entrar em seus sacos de dormir, batendo cotovelos e nos arranhando enquanto finalmente nos deitamos.
A garoa se tornou pesada e imperdoável, nos forçando a ficar dentro da barraca fechada. Era estranho deitar dentro de um saco de dormir e encarar o tecido cinza acima, ouvindo o assobiar do vento e as pancadas punitivas da água contra a barraca. O clima não me incomodava, não tanto quanto estar no meio de duas garotas: Vivian se esforçando para ficar o mais longe possível, como se eu transmitisse uma doença terrível, e Lauren, se aconchegando desconfortavelmente perto.
Quando um dedo tentou se entrelaçar com o meu, talvez a minha recuada bruta tenha sido dramática demais.
A Lauren não estava dormindo? “Mas que diabos?”
“Pensei que a Jess estivesse exagerando sobre seu comportamento antissocial.” Lauren insistiu com seu queixo erguido.
“Eu poderia ser a pessoa mais sociável existente e ainda não querer dar as mãos com você. Espera. Porque não discutiu comigo pelo espaço do meio? Ouvi rumores que você gostava da Vivian.”
“Eu não gostava da Vivian.” ela disse abruptamente. “O que isso tem a ver com qualquer coisa? Qual é a sua? Você não foi amada o suficiente? É por isso que escreveu aquelas cartas? Não consegue conversar propriamente com ninguém na vida real?”
Cruzei os braços no meu peito para que ela não conseguisse me agarrar. “É o que falam sobre os valentões e isso é algo mais seu do que meu. E não, não sei como sabe sobre aquelas cartas, mas nunca ouviu falar em manter contato com as pessoas do jeito tradicional?”
“Eu tenho amigos. Nos abraçamos e fazemos outras coisas assim. É tão óbvio que você não tem amigos. Não consegue nem mesmo manter uma conversa sem se transformar em uma vadia raivosa. Não é de se surpreender que a Jessie te odeie agora.”
Eu me empurrei mais para dentro do saco de dormir. O movimento foi dolorosamente barulhento dentro do pequeno espaço. Quando meu queixo estava enterrado no topo do material, encarei o nada – porque tudo estava um borrão conforme um desconforto esmagador inundava meu sistema.
A esse ponto, a chuva tinha diminuído para pequenas gotas, raramente atingindo a barraca. Meu corpo se moveu sozinho sem pensar muito à medida que pisava do lado de fora. O ar fresco preencheu meu sistema e isso ajudou um pouco. Sabia que não era a ideia mais inteligente estar do lado de fora quando poderia chover de novo, mas era a única coisa que aliviava minha ansiedade.
Lauren mencionou minhas cartas.
Minhas cartas.
Ela as tinha? A Jessie deixou que ela as lesse? Elas equivaliam a anos de frustrações – meus altos e baixos e tudo mais. Elas eram mais semelhantes a um diário do que a cartas. Se a Lauren de fato as tivesse, ela provavelmente me conhecia melhor que a Gwen, ou até mesmo minha mãe. Por que ela queria segurar a minha mão? Havia um padrão no comportamento da Lauren que era perturbador. Vivian a rejeitou e ela fez a Gwen virar um alvo. Eu a rejeitei e ela teve acesso às minhas cartas. O que ela faria com essa informação? Jessie e Lauren terem lido já era ruim o suficiente, mas e se elas as espalhassem pelo acampamento?
“O que acha que está fazendo?” Vivian perguntou, me fazendo olhar por cima do ombro. “Você parece horrível.”
“Precisava de um pouco de ar.” expliquei e tive esperanças de que ela não perguntasse mais.
“Qual o problema?”
“Shhhh.” Inclinei minha cabeça para o lado. “Está escutando isso? Sério. Escute.”
“C-e-r-t-o.” ela arrastou a voz, alongando propositalmente a palavra.
Ambas escutamos, sem dúvidas.
Sem pensar muito, meus pés marcharam em direção à floresta. Pela segunda vez naquela noite, tive uma má decisão – a primeira foi ter saído da barraca, em primeiro lugar. O som ruía em algum lugar à distância, mas andar em direção a ela era preferível a compartilhar um espaço confinado com a Lauren.
Ao invés de andar pela floresta de noite, eu poderia estar em casa, dormindo profundamente no sofá enquanto meu pai assistia TV na poltrona. Revisitar o acampamento e ver Lauren de novo, ter minhas cartas expostas a ela, meu celular provavelmente roubado por ela, tudo isso não teria acontecido se minha mãe fosse madura e tivesse me deixado ficar com meu pai. O ressentimento era como um pulso de adrenalina, quase ao ponto de ter ignorado Vivian sussurrando meu nome conforme andava mais adentro da floresta.
Eventualmente, ela me alcançou e agarrou minha mão, me mantendo parada. “Tipicamente, quando se ouve um barulho no meio do nada, você o evita a todo custo e não o persegue como uma maldita personagem de filme de terror.”
“É água, não é? Não é o lago. Está fluindo. É barulhenta. Não é um rio.”
“Estamos perto de uma cachoeira; você está escutando a cachoeira.” ela disse. “Apesar de que não sei como você ouviu isso através da chuva, não é por isso que você saiu da barraca.”
“A tentativa da Lauren de entrelaçar nossos dedos?” eu disse. “Tipo, eu não me aconchego com outras pessoas. Não preciso disso na minha vida. Talvez a um certo ponto, com um certo alguém, mas essa pessoa não é a Lauren.”
“Ela tentou se aconchegar com você?”
“Ela tentou se aconchegar comigo.” Repeti, imitando a voz enojada dela.
Ela deixou minha mão cair e então se virou tão de repente que o cabelo dela chicoteou na minha bochecha. “Vamos, essa será nossa única noite aqui.”
Depois de ficar parada por um momento, eu a segui. “Como está tão confiante sobre isso?”
“Emma, nem tudo é o que parece.”
Vivian foi andar para longe, mas eu agarrei o braço dela. “Não pode falar algo tão vago e não me explicar.”
“Sim, na verdade, eu posso.”
Ela arrancou meus dedos do braço dela e se moveu confiantemente em direção ao acampamento. O calor preso no interior invadiu meu corpo quase imediatamente quando voltei para a barraca de nylon. Meus dedos dormentes de algum jeito conseguiram abrir a barraca. Tentando ser o mais silenciosa possível, fiquei chocada quando me virei para ver a Vivian dentro do meu saco de dormir ao invés do dela. Por mais que Lauren pudesse dormir com qualquer coisa, erguer minha voz para fazer a Vivian ir para seu próprio saco de dormir era uma ideia ruim, a não ser que estivesse disposta a lidar com mais acusações sutis da Lauren sobre minhas habilidades sociais, ou a falta delas, e sobre minhas cartas.
Vivian gesticulou com os olhos para a direita dela, me dizendo para entrar no seu saco de dormir. Ela colocou a mão na lateral do meu rosto para manter minha cabeça no lugar depois de eu ter me acomodado. Ela não falou nada do porquê ela se sentiu compelida a colocar a palma contra minha bochecha.
“O-o que está fazendo?” Perguntei estupidamente, com os olhos arregalados.
“Garantindo que a qualidade de sono da minha campista permaneça intacta.” ela sussurrou em resposta com a mesma intensidade.
“Sem ofensa, mas acho que o material do meu saco de dormir é mais… macio. Não que o seu não seja confortável. Tem um cheiro bom. Como o de rosas. Deve ser o shampoo que você usa. Caramba, conselheiros e seus produtos cheirosos.” Torci meu nariz, gostando demais do cheiro. “Nós ganhamos uma droga sem marca nem cheiro.”
Vivian deu um peteleco na minha orelha, me fazendo sibilar de dor. “Você está ofendida com o meu cheiro?”
Eu belisquei a mão dela. “Não ofendida, é claro. Me deixa um pouco brava. Velas aromáticas não te deixam brava às vezes? Tipo, quando sente cheiro de baunilha e isso te faz querer virar o hulk porque é tão previsível?”
“O meu cheiro é previsível e te deixa irritada?”
“Tente acompanhar, estou falando sobre velas, não seu cabelo com cheiro de rosas.”
“Vá dormir, Emma.” Ela disse, fechando os olhos.
“Eu vou, mas… não tenho certeza se deveria dizer.”
Ela fechou os olhos novamente. “Então não diga.”
Minha respiração ficou trêmula, porque lá estava ela, deitada com o rosto a centímetros do meu, cílios longos, grossos e escuros, tentando as pontas dos meus dedos a tocá-los, para ver se eram tão macios quanto pareciam. Seus lábios eram bonitos em um formato natural de coração. Alcancei e toquei a mão dela no meu rosto, para ver se estava imaginando que estava lá, e a sensação palpitante no meu estômago era por nada. Finalmente, olhei novamente para cima para dar mais uma olhada naqueles cílios e ela estava me encarando. Encaramos uma à outra em uma discussão estranha e silenciosa.
Um ronco alto e horrível veio da Lauren, fazendo a Vivian fechar os olhos e vibrar com uma risada contida.
“Vivian… sei que minha bochecha é macia, mas não acho que foi feita para ser um travesseiro para a sua mão.” Eu a provoquei, porque, honestamente, meu coração estava pulsando irregularmente rápido perto da Vivian e isso não era muito saudável.
Por um momento ela não fez nem disse nada. Então, como se tivesse acabado de perceber, arrancou a mão e fuzilou minha bochecha como se fosse a causa de todas as injustiças cometidas contra ela a vida toda.