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Tradução: Note | Revisão: Bibi
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Capítulo Dezesseis
Na manhã seguinte fui para o refeitório ao invés de me juntar ao resto dos Castores no centro de artesanato. Julie tinha pedido minha ajuda na cozinha. Não era como se ela precisasse da minha ajuda, mas ela havia feito um plano de aulas que me daria ao longo de todo o acampamento. A aula de hoje? Hambúrgueres artesanais. Tinha ao menos dez bacias com uma mistura de carne preparada para ser transformada em hambúrgueres. Estava hesitante em colocar minha mão lá dentro, e isso parecia divertir a Julie.
“Pense nisso como um jeito de te preparar para a vida universitária.” Ela me disse, batendo na vasilha com uma colher de pau.
“Não é nessa época em que descobrimos aplicativos em nossos celulares que entregam comida em casa?” Perguntei. “Ou em que roubamos de nossos colegas de quarto?”
“Você com certeza não é tão mal preparada para fazer refeições, Emma.” Ela disse, apoiando o quadril no balcão ao meu lado, pedindo com suas mãos para que eu começasse a tirar punhados de carne. Então fiz isso. “Pelo que vejo, você tem talento para isso.” Ela pegou o hambúrguer que eu havia estendido e então o colocou na tábua de madeira. “Amasse-os para mim.”
Comecei a usar o rolo, sem deixar de notar como tínhamos trocado de papéis. “Você faz com que cozinhar seja fácil. Seguir suas instruções é de boa, claro. Inventar receitas? Agora, esse é o problema, Sra. Black.”
Ela enrolou mais um pouco de carne entre as mãos até que ficasse lisa e redonda. “Você se subestima, Emma.”
“Deixe-me aqui por um dia e o acampamento inteiro queimará. Isso não é um risco que você queira tomar, sério.” Eu a avisei, vendo o brilho no olho dela.
“Tem uma festa anual na fogueira, envolvendo todo mundo — todos os campistas, funcionários e conselheiros — com atividades como canto, fazer s’mores e dança. Ouvi dizer que é divertido. Acredito que eu preciso de um tempo de folga para me preparar.” Ela bateu as mãos. “Tenho certeza que uma das minhas crianças poderia te fazer companhia. Além do mais, estarei lá para te ajudar a servir. Poderíamos trocar.”
“É mais provável que elas me distraiam e me provoquem. Topo o desafio.”
Julie ligou a grelha e, enquanto a esquentava, me mostrou a quantidade certa de temperos para adicionar, porque não tinha nada pior que comida sem gosto. Ela estava usando metade da cozinha, e eu ocupava a outra metade, pressionando a espátula na superfície dos hambúrgueres por três minutos. Nós os viramos ao mesmo tempo e reduzimos o calor, então colocamos um queijo cheddar laranja adorável em cima deles. Eles ficavam derretidos e de dar água na boca em alguns minutos.
Três batidas fortes soaram contra a porta de entrada. Julie rapidamente abriu a torneira e esfregou as mãos na água antes de enxugá-las na frente do avental.
Ela abriu a porta e rapidamente se derreteu com o Sr. Black — os sussurros deles eram baixos demais para eu ouvir todo o romantismo. Dei a eles tanta privacidade quanto era possível, virando de costas e passando manteiga nos dois lados dos pães antes de jogá-los na grelha para tostá-los um pouco. Não havia nada melhor do que um pão crocante e queijo derretido para um hambúrguer.
Eles entraram no cômodo com expressões felizes, até que o Sr. Black apontou para mim e sussurrou para sua esposa. A pura alegria da sala se transformou em algo bastante deprimente, como se todo o ar tivesse sido sugado para fora dela.
“Emma.” Julie me chamou, apoiando-se no toque de seu marido. “Sua mãe está no telefone para você.”
“Minha mãe?” Repeti em surpresa, derrubando a espátula no balcão e piscando rapidamente.
O Sr. Black me levou ao seu escritório, onde o telefone estava sobre a mesa.
A primeira coisa que ouvi foi a respiração da minha mãe, e a segunda foi a risada alegre dela saindo dos lábios enquanto conversava em voz baixa com alguém. O som estava abafado como se o aparelho dela estivesse pressionado contra alguma coisa.
“Emma! Querida, como você está?” Ela perguntou, soando animada. “Tentei ligar para você, mas é claro, seu celular foi levado na entrada, não foi? Foi só depois da décima ligação que me lembrei! Posso ver o porquê eles têm essa regra. Celulares te limitam a conversar com as pessoas, você sabe disso. Espero que não esteja mais brava comigo.”
Ela estava mentindo sobre a questão das ligações. Não havia notificações de chamadas perdidas no meu celular. “Estou bem.”
“Bem? Só ganho isso? Por favor, não me diga que ainda está brava pela mudança de planos, Emma.”
Tirei o telefone da minha orelha e o encarei, incrédula. Colocando-o de volta contra a minha orelha, surtei: “Diga, se te trancassem em um cômodo com um monte de facas saindo do chão e das paredes, você seria uma campista feliz, mãe?”
“Isso é diferente. Você sabe disso.”
“Mas como é diferente? Fobias, medos, eles criam o mesmo tipo de sentimento. De onde ele é originado não importa.”
“Emma – olha, eu não liguei para brigar com você.” Ela soltou um suspiro baixo. “Liguei porque o Ethan se ofereceu para levar nós duas para Roma pelo resto do verão, depois da nossa viagem para a Espanha. Você sairá logo mais daí. Espero que não acabe deixando nenhum namorado para trás.”
“Quer dizer, Ethan, seu marido? O marido que eu nunca conheci até o dia em que me deixou aqui?”
“Por favor, Emma, não comece.” Ela limpou a garganta. “Seu pai está namorando com alguém. Você sabia disso?”
“Sim.”
“Você nunca reclamou disso para mim. Querida, isso não é… você pensou sobre como reagiu às minhas notícias? Por que reagiu daquele jeito? Por que não reagiu do mesmo jeito que com o novo relacionamento do seu pai?”
“Ele não escondeu o relacionamento de mim e me apresentou para a esposa dele enquanto me largava no acampamento por dois meses. Um lugar que eu disse, por anos, que não queria ir, um lugar em que—”
“Não consigo conversar com você quando está assim.” Ela me interrompeu.
“Por que você nunca me escuta?”
“Duas semanas, Emma, esteja pronta.”
Ela desligou o telefone.
O Sr. Black bateu na porta de seu próprio escritório e colocou a cabeça para dentro. Eu não tinha mais motivos para ficar aqui. Havia sido uma decisão subconsciente colocar minha vida fora do acampamento em uma caixinha no fundo da minha mente e mantê-la fechada. Agora ela havia explodido e, como um circo, todos os tipos de coisas se passaram sem algo se destacar, fazendo o caos ser muito mais frenético.
Eu me distraí sem perceber e comecei a andar sem rumo. Quando minha visão não estava mais borrada e baixa, lá estava eu, em algum lugar em frente à mesma cachoeira onde Vivian e eu nos beijamos pela primeira vez. Me deitei na pedra precisamente como tinha feito na primeira vez e então entendi porque a Jessie precisava de um tempo para encarar o céu na noite em que ficou bêbada e se perdeu na floresta. Hoje estava mais brilhante, e as nuvens se moviam com o vento. Elas não eram estáticas como as estrelas. E, por algum motivo, eu queria que elas só… parassem. Queria um cronômetro que pudesse congelar o tempo, impedindo que minha inevitável saída do acampamento, que me faria deixar a Vivian, a Gwen e toda a família Black mais cedo do que o esperado, acontecesse.
As folhas farfalharam um pouco e eu me sentei com os cotovelos atrás das minhas costas. Vivian empurrou um galho teimoso para fora de seu caminho. “Trouxe chocolate.” Ela anunciou, me cumprimentando. Ela sentou na pedra e se aproximou para que nossas laterais se tocassem. Ela quebrou um pedaço e o segurou em sua mão. “Minha mãe mencionou algo sobre você cozinhar para nós.”
“Se ela estiver disposta a tomar o risco.”
Vivian segurou o chocolate perto da minha boca, parando a alguns centímetros de distância. “Ela quer que eu te ajude.”
Eu me aproximei do chocolate. “Bem, você é a minha conselheira.”
O chocolate roçou nos meus lábios. “Ela gosta de você.”
Quando eu estava prestes a morder o chocolate com meus dentes, ela o afastou e o colocou em sua própria boca, ficando com os olhos fechados e gemendo em apreciação.
Entrelaçamos nossos dedinhos. Ela colocou um pedaço de chocolate nos meus lábios fechados e apoiou a cabeça no meu ombro. Deitamos lá, esticadas por bons vinte minutos, majoritariamente em silêncio, devorando o chocolate mais prazeroso do mundo. Geralmente, não gostava de silêncio porque meus pensamentos corriam livres e selvagens. Era como se ela soubesse que eu precisava de tempo para me resolver, para definir minhas emoções e as respostas que seriam adequadas para elas.
A imprevisibilidade da minha mãe me impedia de contar à Vivian sobre a ligação. Talvez minha mãe mudaria de ideia e não me buscaria. Ter uma conversa sobre isso a tornaria real, e eu não estava pronta para nutrir o pensamento de deixar a Vivian para trás quando tudo o que queria fazer era passar mais tempo com ela.
“Sua mãe é legal.” Murmurei depois de procurar mais chocolate e não encontrar nada.
“E a sua mãe? A minha mãe mencionou que ela ligou.” Ela insistiu com uma voz extremamente casual.
“Você sempre fala sobre a vida pessoal dos seus campistas com a sua mãe?”
“Estou começando a achar que ela está tentando me arranjar.” Vivian disse.
“Sua família é obcecada com a sua vida amorosa.” Resmunguei, contorcendo meu nariz.
“Com você, sua idiota.” Ela explicou.
“E eu agradeço bastante por essa obsessão.”
“É sempre ela que te menciona nas nossas conversas.” Vivian amassou a embalagem do chocolate. “De algum modo, você a encantou tanto que ela acha que passar mais tempo com você é uma coisa boa, e não contra o protocolo.”
“Cala a boca e me beija?”
“Viu? Você pode ser encantadora.”
Vivian era a personificação da sensualidade, não por conta do jeito que a jaqueta dela ficava legal mesmo quando ela estava deitada em uma pedra, ou pelo jeito que os quadris dela se mexiam. Não era nem por conta do jeito que o pescoço dela se esticava e convidava beijos ao longo de sua pele macia. Eram seus olhos. Aqueles benditos e doces olhos castanhos. Era o olhar profundo e magnético quando ele se encontrava com o meu — o jeito que ela não dizia nada, mas tudo, com só um olhar e me deixava sem ar.
Nossas mãos viajantes deslizaram por entre os nossos corpos e fizeram com que a minha camiseta ficasse acima da minha barriga. Unhas estavam raspando levemente pelo meu abdômen. Minha respiração tremia enquanto eu exalava e nosso beijo chegou a um fim, para que eu pudesse sussurrar o nome da Vivian contra seus lábios. Estava bem como ela queria, toda confusa e desatenta. Se ela me pedisse para pular de um penhasco ou subir naquela parede de escalada estúpida, eu faria isso em um instante. Não deveria ter sido surpresa o que ela me perguntou em seguida.
“Conte-me sobre a sua mãe.” Ela pediu, tirando uma mecha de cabelo do meu rosto.
“Ela é uma mulher diferente em momentos diferentes, então você precisa ser mais específica.” Eu disse a ela.
“Que tal agora?”
“Ausente.”
“Antes?”
“Não sei o que quer que eu te diga. Ela é a minha mãe. Não é como a sua. Ela nunca me ensinou a cozinhar e não é carinhosa. Não depois do divórcio. Mas toda mãe é diferente. Aposto que a sua família continuou com o faz-de-conta do Papai Noel até que vocês tivessem idade suficiente para serem zoados pelas outras crianças.” Disse. “Eu descobri na véspera de Natal. Havia passos bruscos no sótão. Fazia sentido que o Papai Noel estivesse lá em cima. Nossa chaminé estava bloqueada. Talvez ele tivesse entrado pela janela? Havia sussurros enquanto subia as escadas, e quer saber o que vi quando espiei lá? Presentes, embrulhos rasgados, meus pais discutindo, rostos vermelhos. Não era uma briguinha. Tinha ódio. Na manhã de Natal, ninguém falou nada.”
“Quantos anos você tinha?”
“Tínhamos nos mudado para Boston. Provavelmente sete.”
“Sinto muito, Emma.”
“Contei para os meus pais que era gay antes de vir para o acampamento pela primeira vez, sabe. Meu pai foi ótimo. Minha mãe ficou em silêncio. Foi o início do silêncio, na verdade. Quando voltei do acampamento, eles estavam se divorciando, mas minha mãe morou com a gente até eu ter quinze anos. Primeiro morei com ela e me mudei de volta para York. Foi terrível, então meu pai me salvou e me trouxe de volta para Boston. Graças a Deus.”
Vivian segurou minhas bochechas. “Não foi sua culpa. Você sabe disso, certo? Nada disso foi sua culpa.”
“Eu sei. O relacionamento deles era um inferno mesmo, mas acho que eu fui a gota d’água.”
“O que a sua mãe disse para você mais cedo?”
“Nada importante.” Eu menti. Não era como se ela tivesse escolhido começar a passar tempo comigo por conta do meu aniversário nem nada do tipo. Ah, espera. Ela escolheu. “Acho que ela pode se lembrar do meu aniversário esse ano. Já é alguma coisa, não é? Talvez seja o começo de algo decente entre nós.”
“Talvez.” Vivian disse.
Eu não notei que havia chorado até que ela limpou minhas lágrimas e me segurou próxima dela. Meu rosto procurou conforto em seu pescoço. Ela esfregou minhas costas à medida que as lágrimas se recusavam a cair dos meus olhos. A raiva que eu senti em relação à minha mãe por todo o verão de repente se rompeu, e tudo o que me restou foi decepção e uma tristeza profunda. Eu finalmente tinha encontrado pessoas com quem compartilhar meu eu, e minha mãe decidiu que agora era o momento perfeito para se meter e me levar para outro lugar. Nada sobre isso era justo.
O único motivo de eu não ter me despedaçado completamente foi porque a Vivian estava lá, me segurando firme enquanto eu chorava.